quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25404: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (30): Em Bolama, à espera do meu "periquito"... Embarquei nos TAM, em meados de maio, a expensas minhas (João Silva, ex-fur mil at inf, CCAV 3404, Cabuca; CCAÇ 12, Bambadinca e Xime; CIM, Bolama, 1972/74)





 a título póstumo, nº 866, desde 22 de outubro de 2022


1. Comentário de João Pedro Candeias da Silva (1950 - 2022), ex-Fur Mil At Inf, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973) e CIM Bolama (1973/74), ao poste P 13078 (*):


Estava em Bolama no dia 25 do quatro (**)... e dias seguintes, onde pude aperceber-me da confusão, isto é, da falta de informação que chegava pelo menos aos furriéis.

Assim ficamos durante largos dias, vivendo de boatos, alguns mais tarde confirmados como a prisão do Comandante-Chefe.

Recordo que uns dias mais tarde, não é para rir, fomos informados pelo major Lima, uma bela peça, que poderíamos, se o quiséssemos, participar numa manifestação do PAIGC. 

Que me recorde,  tal sugestão não teve aderência.

Depois a bagunça que veio afectar os que,  como eu, aguardavam a chegada do periquito. Acabou por não chegar. A muito custo e depois de alguma insubordinação, lá fui para Bissau onde aguardei alguns dias no QG o embarque nos TAM.

No dia aprazado eu e muitos outros militares fomos informados de que não tínhamos lugar no avião porque este estava ocupado pelo pessoal da DGS (Direç ão-Geral de Segurança) e família. 

Eu,  mais dois furriéis, um deles de nome Spínola, fomos ao QG, e obtivemos uma autorização escrita do Major Freitas, responsável pelas companhias africanas, para regressarmos a Lisboa a extensas próprias, documento que ainda hoje tenho.

Fomos à TAP,  comprámos o bilhete e, no dia seguinte, já em meados de maio de 1974, aterrámos em Lisboa.

Penso não haver muitos militares que fizeram a viagem de regresso a sua casa pagando do seu bolso.

Foi a primeira benesse que o 25 de Abril me ofereceu.

João Silva ex-furriel mil, Ccav 3404, Cabuca, Ccaç 12, Bambadinca e Xime, CIM, Bolama.

2 de maio de 2014 às 15:45 (*)


2. Fichas de unidade > CIM - Centro de Instrução Militar

Identificação; CIM
Cmdt: Cap Inf José Manuel Severiano Teixeira
Cap Inf António Lopes de Figueiredo
Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia
Cap Inf Laurénio Felipe de Sousa Alves
Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares
Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos
Cap Inf Alcino Fernando Veiga dos Santos
Cap Inf António de Matos
Cap Art Samuel Matias do Amaral
Cap Inf Carlos Alberto Antunes Ferreira da Silva
Maj Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme
Maj Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião
Maj Inf Fernando Jorge Belém Santana Guapo
Maj Cav José Luís Jordão de Ornelas Monteiro
TCor Inf Octávio Hugo de Almeida e Vasconcelos Pimentel
TCor Cav Raúl Augusto Paixão Ribeiro
Cor Inf Carlos Emiliano Fernandes

Divisa:

Início: Anterior a 1Jan61 | Extinção: 14Set74

Síntese da Actividade Operacional

Era uma unidade da guarnição normal, tendo sido criada inicialmente em
Bissau no aquartelamento de Santa Luzia, a partir de 17Mar59, com a finalidade
de ministrar instrução militar ao pessoal residente na Guiné e já recenseado
e com documentos de identificação nacionais. 

Inicialmente, com a designação Centro de Instrução de Civilizados, passou, a partir de 24Nov59, a ter a designação de Centro de Instrução Militar, ministrando também instrução a praças I(ndígenas).

Em 20Mai61, foi transferido para Bolama, tendo assumido a responsabilidade
do subsector respectivo, o qual englobava ainda as ilhas de Bijagós.

Para além da instrução básica e especial ministrada aos militares do
recenseamento local para formação de diversas especialidades, efectuou ainda a
IAO de unidades e subunidades metropolitanas, esta instrução especialmente a
 partir de meados de 1970, e estágios de Oficiais e Sargentos para enquadramento
de unidades africanas da guarnição normal. 

Efectuou também acções de patrulhamento e de contacto com as populações, garantindo ainda a segurança, protecção e controlo dos itinerários, dos aldeamentos e das populações, contribuindo para o seu desenvolvimento social, económico e cultural e superintendendo no funcionamento do Centro de Licenças de Bolama.

Em 14Set74, na sequência do plano de retracção do dispositivo e após
entrega do aquartelamento de Bolama ao PAIGC, o Centro foi desactivado e extinto.

Observações - Tem História da Unidade, referente a lJan72 a 30Jun74 (Caixa n.º 117 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 683/684.

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I

(**) Último poste da série > 14 d abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25386: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (29): Bissau, Depósito de Adidos, era oficial de justiça, na Secção de Justiça... e a viver com a minha mulher, em "segunda lua de mel"...( Joaquim Luis Fernandes, ex- alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974)

Guiné 61/74 - P25403: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVIII: a versão do cor inf António Vaz Antunes (1923-1998), na altura comdt interino do COMBIS ( Memorando digitalizado e transcrito pelo seu filho, engº Fernando Vaz Antunes)



Guiné > Bissau > 1974 > O cor inf  António Vaz Antunes (à esquerda, na imagem) com o gen Bettencourt Rodrigues, e outros oficiais numa visita do Comandante-Chefe a uma unidade em Bissau. Fotografia do arquivo pessoal do Coronel António Vaz Antunes.


Guiné > Região do Oio > Farim > 1974  > O cor inf António Vaz Antunes com militares e população local. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Fotos (e legendas): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Cópia da primeira metade  da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974, e constituído  por 9 folhas, numeradas.

Transcrição da responsabilidade do seu filho, engº  Fernando Vaz Antunes,  que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*). 

Nos 50 anos do "golpe militar de Bissau" (**), voltamos a reproduzir a versão daquela oficial superior, que se solidarizou com o gen Bettencourt Rodrigues na manhã de 26 de Abril de 1974: na altura, era adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG.

O nosso especial agradecimento a ambos, filhos de militares com brilhantes carreiras, pelo seu contributo para a preservação e divulgação de documentos relevantes, como este, para a historiografia da presença portuguesa na Guiné, e em particular para a nossa historiografia militar, relativa ao período de 1961 a 1974:

Sendo ambos filhos de militares que serviram a Pátria no TO da Guiné, querem também, e com toda a legitimidade, homenagear e honrar aqui a memória dos seus pais:

(i)  Fernando Vaz Antunes, engenheiro (passou  pela Academia Militar, e vivia em em Mafra, em 2014 de acordo com a sua página no Facebook);
  
(ii) Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  professor do 2º/3º ciclos do ensino básico em Vila Verde,  vive em Braga,  filho do  cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74) (1922-2002); tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo.

 

Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau” (Digitalização e transcrição do manuscrito, e notas: Fernando Vaz Antunes; notas complementares: Luís Gonçalves Vaz)


Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

Funções:

Desde 24Mar1974 – Inspector do CTIG | 13Abr1974  – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1] , de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr1974

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30

Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. 

Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. 

Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas] , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº 1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. 

O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. 

Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. 

Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. 

Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. 

Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês … .» [AVA]  [equivalente, a preços de hoje,  a 2860 euros, editor LG]  

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).


Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Gonçalves Vaz / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 _______________

Notas do editior LG:

(*) Vd. postes de: 

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13079: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte II

2 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13080: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): III (e última) Parte   

(**) Vd. último poste da série > 15 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25388: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVII: O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA, deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição (Luís Gonçalves Vaz)


(***) Nota de Luís Gonçalves Vaz:
  
(...) António Vaz Antunes (1923-1998)  [resenha biográficas mais completa: consultar também portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE / L amego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível (...)

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25402: Consultório Militar do José Martins (81): Dia 16 de Março de 1974 - Parte VI - O dia


Parte VI de "Dia 16 de Março de 1974", um trabalho da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blog em 10 de Abril de 2024. Neste dia ensaiou-se a primeira tentativa de derrube do regime vigente, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ter sido protagonizada por militares do antigo RI 5 das Caldas da Rainha.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte VI

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

O dia

18:00
● O Major Monroy do Regimento de Infantaria n.º 5 transmitiu ao Major Guimarães, pessoalmente, ordens do Brigadeiro Serrano, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, para que entrasse no quartel do Regimento de Infantaria nº. 5. Uma vez aí dentro, o 2.º Comandante da Região Militar de Tomar deu ao Major Guimarães como missão, coadjuvar o Comandante Interino do Regimento de Infantaria n.º 5 e, à Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7, constituir uma força de intervenção imediata. [RI7a]

18:30
● A DGS pede esclarecimentos sobre acontecimentos de Lamego. O Brigadeiro Pedro Serrano manda levantar dispositivo de cerco ao quartel do Regimento de Infantaria n.º 5, e dispensa a Companhia da GNR. [CGg]

18:45
● Passou em Palhoça para Caldas da Rainha 1 autocarro militar de 30 a 40 lugares, em que seguiam o respectivo condutor e provavelmente mais 2 sargentos, relata o Batalhão n.º 2 da GNR. [B2g]
Oficiais detidos no RI 5

19:00
● É divulgada uma nota oficiosa da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, informando: «Na madrugada de sexta-feira para sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia auto transportada que tomou a direcção de Lisboa. O Governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras Unidades não tinham tido êxito. Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar. Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.» (in «Região de Leiria» de 23/03/1974)". [JM]

19:10
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa, o Comando Geral da GNR, que o Brigadeiro Serrano dispensou a Companhia da GNR, iniciando o regresso ao seu quartel. [PCR]

19:30
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa, o Chefe do Estado-Maior da GNR, que tinha chegado um autocarro para transportar as tropas sublevadas e que as forças sitiantes tinham entrado no quartel, tendo o Regimento de Infantaria n.º 7 e o Regimento de Infantaria n.º 15 ficado a guarnecê-lo. [PCR]

● O relatório do Comando-Geral da GNR reporta a ordem dada à Companhia do Batalhão n.º 1 da GNR, através da Brigada de Transito da GNR, para regressar. Deste facto informa o Comando do Batalhão n.º 1 da GNR. [CGg]

● O Batalhão n.º 2 da GNR reporta, que chegou às Caldas da Rainha o autocarro que passou em Palhoças. O pessoal do Regimento de Infantaria n.º 7, Regimento de Infantaria n.º 15 e Escola Prática de Cavalaria que cercou o quartel, passou para o seu interior, sendo a guarnição feita pelo Regimento de Infantaria n.º 15. No exterior apenas permanecia um auto metralhadora. Iniciou o regresso a Lisboa a Companhia de Batalhão n.º 1 da GNR. [B2g]

20:00
● O Comando-Geral da GNR indica passagem a estado de Prevenção Simples. É destacado um pelotão da 1.ª Companhia do Batalhão n.º 1 da GNR, para a Trafaria. [CGg] 21:30

● Os oficiais detidos no Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha), foram transferidos para a enfermaria do Regimento de Artilharia Ligeira 1 (Moscavide), sob escolta, donde alguns passaram, depois, para a Casa de Reclusão Militar de Lisboa, no Forte da Trafaria. No dia seguinte, trinta e cinco Aspirantes a Oficial Miliciano, além de Sargentos, Furriéis e Cabos Milicianos, foram conduzidos sobre prisão para o Campo Militar de Santa Margarida, às 03h00, acusados de participação nos acontecimentos de 16 de Março, onde seriam depois interrogados pelo Tenente-Coronel Andrade e Sousa. [JM]

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa, superiormente que os oficiais sublevados tinham saído em duas viaturas com destino a Lisboa. [PCR]

22:00
● Relata a Escola Prática de Cavalaria que sai do Regimento de Infantaria n.º 5 um autocarro com os oficiais desta unidade, rumo a Lisboa. [EPC]

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou o Comando Geral da GNR que a situação era normal em toda a cidade. [PCR]

22:15
● Informação do Batalhão 1 da GNR de que a sua companhia regressou ao quartel. [CGg]

22:22
● O Comandante Batalhão n.º 3 da GNR (Évora) informa que, um sargento e alguns marinheiros se dirigiram pelas 22:00 ao Posto da GNR de Alcochete. Pretendiam entrar no posto, alegando uma "missão especial", mas acabaram por retirar. O Comandante do Posto da GNR do Barreiro soube, através do Comandante dos Fuzileiros Navais, que tais marinheiros procuravam contactar dois sargentos da Marinha. [CGg]

22:25
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa que, pelas 21:10, partiram em dois autocarros os oficiais sublevados (entre eles um Major) e mais alguns elementos do grupo de 33 implicados. Os aspirantes e cabos milicianos ficaram, no quartel, em regime de detenção. A Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7 foi rendida pela Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 15 e no comando do Regimento de Infantaria n.º 5, já se encontra o legitimo comandante. [CGg]

22:30
● A força da Escola Prática de Cavalaria recebe ordem para regressar ao quartel, em Santarém, onde chegou cerca das 00:50. [EPC]

22:35
● Passou em Palhoça uma coluna auto com 2 viaturas PSP seguidas do autocarro militar e um camião com tropas, prosseguindo em direcção à Espinheira. [B2g]

22:45
● Comandante da GNR de Caldas da Rainha comunicou que passou a desempenhar funções de Oficial de Dia ao Regimento de Infantaria n.º 5 o Major Guimarães, do Regimento de Infantaria n.º 7, e que tinha vindo para Lisboa, cerca das 21:10 uma viatura com 33 Oficiais, aproximadamente. Os cabecilhas do ocorrido foram o Major de Cavalaria Manuel Soares Monge e o Major de Infantaria Luís António de Moura Casanova Ferreira que não pertenciam ao Regimento; Capitão Varela, Capitão Faria e um Capitão Médico que aderiram ao movimento dos outros oficiais, do Quadro Permanente, e alguns milicianos. [B2g]

23:01
● O Comandante de Batalhão n.º 2 da GNR informa que, pelas 22:35, passou em Palhoças uma coluna vinda do Regimento de Infantaria n.º 5 e constituída por duas viaturas da Policia Militar, um autocarro (com os implicados) e um camião de militares. A população de Caldas da Rainha encontra-se curiosa mas calma. [CGg]

23:16
● O Comando-Geral da GNR informa o Chefe do Estado-Maior da marcha da coluna vinda de Caldas da Rainha. [CGg]

23:45
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou superiormente que a situação continuava sem alteração. [PCR]

● O Comando-Geral da GNR regista, no seu relatório, que o Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa que, na cidade, está tudo calmo. [CGg]

23:50
● Após reconhecimento do local, o Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou ter tudo retomado a normalidade.

(continua)

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Nota do editor

Post anterior de 16 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25395: Consultório Militar do José Martins (80): Dia 16 de Março de 1974 - Parte V - O dia

Guiné 61/74 - P25401: Historiografia da presença portuguesa em África (419): Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
A questão é muito interessante mas não vislumbro documentação que sustente a existência de Bissau como capital da Guiné portuguesa, será efetivamente capital em 1941. A colónia não dispunha de superfície antes da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, como colónia era uma ficção territorial, tinha praças, feitorias e presídios, nunca encontrei qualquer documento que tratasse Bissau como capital. E depois temos toda aquela documentação da segunda metade do século XIX, caso de Travassos Valdez, onde se mostra Bissau como uma praça e uma povoação entregue a degredados, muitas vezes revoltando-se contra o governador e prendendo-o, sujeita a uma permanente hostilidade. Que capital era esta, podem ajudar-me a esclarecer a questão?

Um abraço do
Mário



Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão

Mário Beja Santos

Tenho como dado assente que a Guiné portuguesa jamais teve capital até 1879. É uma questão de lógica, a região dependia do governador de Cabo Verde e da Guiné, com a monarquia constitucional, a referência à Guiné como território não existe na Constituição, somente se menciona a existência da povoação de Cacheu e da Praça de Guerra de S. José de Bissau. É nisto que ao ler os cadernos de campo do professor Orlando Ribeiro, resultado da sua viagem à Guiné em 1947, que considero documento científico de leitura obrigatória, a edição foi coordenada por Philip J. Havik e Suzanne Daveau, investigadores experimentados, Edições Húmus, 2010, encontro na página 60 a seguinte nota:
“As origens de Bissau remontam ao século XVI, mas somente em 1692 é elevada a capitania. Com a construção da fortaleza no último quartel do século XVIII, Bissau começa a ultrapassar Cacheu – que foi um dos primeiros e principais portos na costa da Guiné – como entreposto comercial. A partir de 1835, Bissau obtém o estatuto de capital (em 1855 é criado o município) até 1879.”

Comecei a pesquisar no Boletim Cultural da Guiné portuguesa, número especial de outubro de 1947, há um título Efemérides da Guiné portuguesa, que tem por autores Teixeira da Mota, Fausto Duarte e outros, e procurei o que tinha acontecido em 1835. Em 30 de agosto é promulgado um decreto pelo Governo de Lisboa criando a Comarca da Guiné, dirigida por um Subprefeito, sujeita à prefeitura de Cabo Verde, nada mais. Consultei depois o n.º 32 da revista Ultramar, 1968, todo ele dedicado à Guiné e onde consta do historiador António Alberto Banha de Andrade um longo artigo intitulado História breve da Guiné portuguesa. O autor menciona a remodelação administrativa de 16 de maio de 1832. Na Guiné passou a haver uma subprefeitura em Bissau, ficando o Subprefeito com funções de intermediário entre a população e o Prefeito, colocando-se em 1834 a sede da administração em Bissau, nesse ano Honório Pereira Barreto foi nomeado provedor de Cacheu, não há qualquer referência a Bissau como capital.

Bom, o melhor era dirigir-me a um alfobre de documentação, a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Comecei por ler a obra Ensaios sobre a statistica das possessões portuguezas, por José Joaquim Lopes de Lima, Lisboa, Imprensa Nacional, 1844. Sendo obra de referência e dedicada à Rainha, seria inevitável aludir a elementos essenciais. Pois o que encontrei no capítulo X, dedicado à Guiné de Cabo Verde, são digressões históricas da nossa presença na região e menção aos estabelecimentos existentes: praça de Cacheu, presídio de Farim, presídio de Ziguinchor, presídio de Bolor, praça de guerra de S. José de Bissau (esta apresentada como reduto quadrangular de boa cantaria, flanqueada por quatro baluartes, dentro da praça havia quartel para o governador), Ilhéu do Rei, Geba, ilha de Bolama e ilha das Galinhas. Estranhíssimo não se falar em capital, havia somente governador em Bissau como responsável da praça, desde finais do século XVIII.

Outra fonte consultada foi a História de Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão, Editorial Verbo, 1986, dois volumes. No volume VIII, referente a 1832-1851, refere o autor: “A reforma de 1832 mantinha a Comarca da Guiné na dependência ultramarina de Cabo Verde, criando uma Subprefeitura em Bissau e uma provedoria em Cacheu. O governador Manuel António Martins tomou medidas de proteção para com a Guiné, fazendo um novo regulamento para a alfândega e criando um hospital militar dirigido por uma comissão a que presidiu Honório Pereira Barreto.” No volume IX, alusivo ao período 1851-1890, observa o historiador: “Uma das primeiras medidas da Regeneração, no tocante à Guiné, foi a de criar um lugar de governador para todas as parcelas da mesma região, o qual ficaria sujeito ao governador-geral de Cabo Verde. Aquele funcionário teria residência em Bissau, cabendo-lhe também visitar a praça de Cacheu duas vezes por ano. O governador tinha igualmente poderes militares.” E depois faz-se uma alusão ao Visconde Sá da Bandeira: “A Sá da Bandeira se deve a elevação de Bissau a vila por considerar que a povoação tinha já um número suficiente de habitantes para dispor de instituições municipais. Justificava-se ainda a medida por ser a capital da Guiné portuguesa e a residência do respetivo governador.” Aonde o Visconde de Sá da Bandeira foi encontrar a capital da Guiné não se sabe, mas que o visconde refere a capital vem no Diário do Governo de 2 de maio de 1858.

A primeira referência a uma capital em documento autenticado com o nome do rei vem no suplemento ao n.º 15 do Boletim Oficial do Governo-Geral da Província de Cabo Verde, de 17 de abril de 1879, que reza o seguinte: “Dom Luíz, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc., fazemos saber a todos os nosso subditos, que as côrtes gerais decretaram e nós queremos a lei seguinte: art.1. – o território da Guiné portuguesa formará uma província independente de outra qualquer província portuguesa, terá a sua séde na ilha de Bolama.”

Isto o que consegui apurar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, graças à total disponibilidade da sua bibliotecária. Mantém-se o mistério da data de 1835 para a capital de Bissau que os historiadores daquela época e posteriores jamais mencionam. Os coordenadores do trabalho de Orlando Ribeiro também não invocam a fonte. Chegou a vez de se submeter a questão a historiadores que possam ajudar a desenvencilhar este enigma de Bissau como capital como Bolama. Desconheço a fonte informativa do Visconde Sá da Bandeira, não será de estranhar que ele confunda o governador da Praça de S. José de Bissau como instalado numa capital. Acresce que nós temos relatos como o do governador Carlos Pereira, o primeiro nomeado com a implantação da República, que alude ao completo estado de degradação em que se encontrava a fortaleza e o povoado até ao Pidjiquiti, tudo numa imundície e desmazelo intoleráveis, uma estranhíssima capital permanentemente fustigada pelas hostilidades dos régulos da ilha, o quadro de Bissau estava cercado de muros altos para se proteger de permanentes agressões. Como é que era possível falar-se de Bissau como capital, somente mencionada esta como existente em 1835 e invocada com tal título em 1858, sem nenhum documento comprovativo, e, em completo contradição com o facto de que só perto da sua desvinculação de Cabo Verde nem o estatuto de distrito autónomo tinha.

É a questão que deixamos aos historiadores, oxalá possam clarificar este imbróglio, já que documentos históricos comprovativos de Bissau como capital só temos estas duas referências sem alusão a fontes. Vamos esperar.


Carta hidrográfica da Guiné portuguesa, 1844, anexo da importantíssima obra de Lopes de Lima
Referência de Sá da Bandeira a Bissau como capital da Guiné portuguesa, 1858
Fortaleza de Cacheu, imagem do século XIX
Imagem ao monumento do esforço da raça, havia quem lhe chamasse monumento à Maria da Fonte
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Nota do editor

Último post da série de 10 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25365: Historiografia da presença portuguesa em África (418): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25400: S(C)em Comentários (33): "500 anos depois"... eram os "cubanos" que ensinavam, em 2008, as mulheres de Iemberém a aprender o português


 
Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > Título da foto: Mulheres alfabetizadas pelo método ALFA-TV | Data de Publicação: 22 de junho de 2008 | Palavras-chave: Ensino 

Legenda:

"Concluiu-se agora em Iemberém, no sul do país, o primeiro módulo de alfabetização pelo método cubano conhecido por ALFA-TV  e que tão bons resultados tem obtido.

Usando um sistema de 36 aulas através de vídeo-cassetes emitidas por televisão, consegue-se que os alfabetizandos aprendam em 5 meses a escrever e a falar rudimentarmente o português.

Mariama Galissa é uma das 72 mulheres que aprenderam a escrever e que manifesta o seu entusiasmo às suas amigas e companheiras que mantêm algumas reservas em iniciarem-se nesta aprendizagem."


Fonte: Internet Achive > AD BIssau (com  devida vénia...) 

(O sítio original foi descontinuado: http://www.adbissau.org/adbissau/fotodasemana/2008.06.22.htm ) (*)

 
2. Comentário do editor LG:

Escrevi há 14 atrás (**):

"Uma ternura de imagem !... E ao mesmo tempo uma imagem que me deixa cheio de raiva e de furor. Não tanto por serem os cubanos a fazer a alfabetização, em português, do povo gentil de Iemberém, das etnias nalu,  tanda, sosso, etc., que eu tive o privilégio de conhecer, em 1, 2 e 3 de Março de 2008, mas por em 2008, em pleno séc XXI, a Mariama Galissa e tantas outras Mariamas da Guiné-Bissau, e de toda a África, não dominarem ainda uma tecnologia que é tão importante para o desenvolvimento pessoal, intelectual, cultural e sócio-económico e para o exercício da cidadania como é a língua oficial, escrita e falada, do seu país...

"Não me interessa se é o português, o espanhol, o francês ou o inglês, não me interesssam os méritos e os desméritos do método ALFA-TV: o que importa é que as mulheres africanas (mas também os homens...) possam dominar um dos principais idiomas do mundo globalizado, e com isso marcar pontos no seu duro processo de emancipação, de conquista da autonomia, de afirmação da sua singularidade e da sua dignidade como pessoas, como cidadãs, como mulheres, como africanas... 

"Eu sei que não basta apenas saber ler, escrever e contar...Eu sei que é apenas um passo, mas é decididamente um passo de gigante. Uma mulher alfabetizada, em África, tenderá a ser mais saudável, mais activa, mais produtiva, mais empreendedora, mais participativa, mais empenhada, mais reivindicativa, mais consciente dos seus direitos e deveres, mais promotora da paz, mais apta para agarrar novas oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento, mais competente para ajudar a família, a comunidade e o país a sair do círculo vicioso da pobreza"... 

___________


(**) Vd. poste de 30 de junho de  2008 > Guiné 63/74 - P3006: Ser solidário (12): Método cubano de alfabetização... em português

Guiné 61/74 - P25399: Convívios (989): 95º encontro da Tabanca do Centro: Quinta do Paul, Ortigosa, Leiria, 6ª feira, 26 de abril de 2024

 




Fonte: Blogue da Tabanca do Centro > 11 de abril de 2024 > P1468 > Novo convívio a caminho

Guiné 61/74 - P25398: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos)




Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > Fevereiro de 2024 > Escola de 
São Francisco de Assis (ESFA) (iria celebrar o seu 6º aniversário em 16 de março)
 

Fotos (e legenda): © Rui Chamusco (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Crónicas de Timor Leste - 5ª. Estadia (2024)


1. Mensagem enviada pelo nosdo amigo Rui Chamusco  em 3 de março de 2024, 00:11


Estimados sócios e amigos da ASTIL;

Junto envio-vos, em anexos, o meu primeiro bloco de Crônicas da 5º estadia em Timor Leste e algumas fotos dos dias passados na Escola São Francisco de Assis (ESFA).

No próximo dia 16 de Março vamos celebrar o 6º aniversário da inauguração da ESFA, a nossa menina dos olhos neste projeto de solidariedade. Peço-vos que estejam connosco, ainda que ausentes, e que a vossa força mental nos ajude a superar alguns dos problemas que enfrentamos.

Com um forte abraço para cada um de vós, Rui.


Lourinhã > Praia da Areia Branca >
Rui Chamusca
e Eustáquio (João Sobral) 
 (2017)


2. Publicamos a primeira crónica que o nosso amigo Rui Chamusco (77 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste, membro da antiga Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã ) nos mandou, na sequência da sua 5.ª viagem àquele país lusófono em missão solidária (2024) (*).

Esteve já lá 5 vezes, em 2016, 2018, 2019, 2023 e agora 2004, no âmbito da construção, 
organização e funcionamemento 
da Escola de  São Francisco de Assis (ESFA), 
em Boebau, Manati, município de Liquiçá.

O Rui Chamusco, o "abô" Rui, é juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido (e acarinhado) pelos nossos leitores.  Mais: é um exemplo de rigor,   paixão e tenacidade nas causas em que se mete.

Ele faz como.como ninguém a ponte com um país que tem parte da sua história em comum com Portugal e por quem os portugueses têm um especial carinho,  mas do qual sabem pouco.  De facto, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos, daí também o interesse destas crónicas para os nossos leitores.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL) (Página do Facebook)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

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De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte I


15/16/17 fev 2024  – Voando rumo à “Terra do Sol Nascente”

Estas viagens tão longas, com tantas horas de vôo, deixam-os sempre
bastante apreensivos. Aguentaremos tantas horas sentados? Como vão ser os transbordos? A bagagem chegará a tempo e em bom estado? E assim vamos matutando com estas e outras inquietações.

Nesta viagem e durante um mês de estadia temos a companhia da professora Angelina Ribeiro, que decidiu conhecer o nosso projeto de solidariedade “in loco” e para o qual quer contribuir com a sua larga e valorosa experiência sobre a dislexia, a quem agradecemos desde já a sua disponibilidade. 

Ficará, com certeza, ainda mais rica depois de conhecer este povo timorense, que dispensa gatuitamente sorrisos e veneração a todos os que a eles se dedicam. Que o digam as crianças.

Com algumas peripécias pelo caminho próprias para quem vem para o “fim mundo”, chegamos sãos e salvos à terra do sol nascente, que em tetum de diz “Terra de Loro s’ae”. 

Sem atrasos (que os aviões não esperam por ninguém), o avião da AeroDili (companhia timorense) aterrou sob um calor sufocante e húmido como é próprio de todos os países tropicais junto à linha do equador. 

À nossa espera estavam os irmãos Mári (mário) e Eustáquio (João Sobral), dando-nos os abraços de “boas vindas” e a "pickup"  da ASTILMB que nos levou aos nossos destinos. 

Como sempre, muito fatigados fisicamente, KO como se costuma dizer, ao final do dia entramos no “nirvana” através de um sono reparador que nos deu força e vigor para continuar no dia seguinte com vontade de rever pessoas, locais, paisagens que nos enchem o peito de ar e batem no coração.


18  fev 2024   - Dando a conhecer a cidade de Dili

É sempre agradável dar a conhecer e revisitar os lugares mais icónicos da cidade de Dili. 

Depois do almoço no Timor Plaza, visitamos o monumento a João Paulo II, em Tassitolo, o Largo e igreja de Motael, as Praias de Areia Branca e Cristo Rei, o mercado do Tais em Caicoli, a Catedral, o mercado de Perunas, a casa da família do Eustáquio, o mercado da fruta em Lecidere. 

Embora seja dia de domingo, pouco mais tempo tivemos para fazermos outras andanças. A tarde e a noite foram tomando conta do dia, e o cansaço (ainda não refeitos da viagem) levou-nos facilmente à letargia do sono dando lugar a sonhos e fantasias que edificam as nossas noites. Até amanhã e bom descanso.


19 fev 2024   - Quando o sonho comanda a vida

Já referi em noticiário anterior que a razão mais forte desta minha vinda a Timor é a tarefa de resolvermos o problema falta de professores para a Escola São Francisco de Assis, em Boebau/Manati. Por isso a programação das atividades para este dia está sujeita a este objetivo.

Na falta de resposta adequada dos ministérios da educação de Portugal e de Timor, que prometem e não cumprem, temos forçasamente de nos virar para outras possíveis respostas. Iremos aonde for preciso, para que alguém, pessoas ou instituições com espírito de missão e de serviço nos possam valer.

Assim, logo de manhã, fomos á faculdade de Filosofia e Teologia do Seminário Maior para nos encontrarmos com as Irmãs Franciscanas Vitorianas a fim de sermos informados das suas presenças em Timor Leste, particularmente da comunidade de Kaité’hu. (...)

E, como não há tempo a perder, rumamos de seguida para a Universidade Católica, com o objetivo de falarmos com o Reitor, frei Joel como ele gosta que lhe chamem os amigos. Como já nos conhecíamos da visita do ano passado, foi mais fácil entendermo-nos. Para além de outros assuntos fiz-lhe o convite de participar na celebração do 6º aniversário da ESFA, que aceitou, se nada de imprevisto acontecer.


20 fev 2024  - Rumo a Kaité’hu, Liquiçá

Logo de manhã, depois de uma passagem pelo BNU/CGD de Dili a fim de resolvermos situações imprevistas, aí vamos nós visitar as Irmãs Franciscanas de Kaité´hu, tendo em vista encontrarmos um apoio para a resolução do problema que nos aflige, a dificuldade de arranjar professores para a ESFA. A visita foi breve, mas deu para ter novas ideias, sobretudo novos contatos de alguém que teve já de percorrer o mesmo caminho. Por aí iremos.

De chegada a Liquiçá, fomos diretos que nem um fuso para a Escola CAFE à procura da professora Teresa Costa, coordenadora, que exultou de alegria quando nos viu chegar. Eu e o Eustáquio já éramos conhecidos dos anos anteriores (o ano passado a professora Teresa esteve na celebração do 5º aniversário da ESFA). Mas a surpreza foi grande quando se olharam face a face, a professora Tereza e a professora Angelina. 

Então não é que ambas habitam na Guarda e na mesma rua? A pouco e pouco foram juntando pormenores que depressa as irmanou. Momentos muito bem passados, em conversa amena com alguns professores. Novas amizades, novos contactos.

Depois do almoço, quando o que apetece é fazer a “toba” (dormir a sesta), 
fomos até ao município a fim de entregar o material que a câmara municipal de Sabugal por mim enviou. Só que, sem marcação antecipada, o novo presidente não estava. Fomos recebidos pelo seu assessor, que depressa se entusiasmou com o que íamos dizendo e revelando logo uma vontade enorme de visitar Portugal. (...)

A última visita foi reservada para o novo diretor da educação de Liquiçá. Não sei porquê, entrei sem qualquer esperança para a resolução do problema e saí de lá com um sentimento contrário. Penso que, pela atitude e interesse do novo diretor, a nossa proposta de colaboração entre a escola de São Francisco e a escola de Quilo, pelo menos, vai ser entregue a ministra de educação de Timor. (...)


21 fev 2024  - Na Galeria “Memória Viva”

Custou, mas desta foi de vez. O que fazem os amigos!... Coube-me nesta viagem de regresso a este país trazer na minha bagagem algumas prendas para entregar aos amigos de amigos. Foi sempre assim, e por isso nada de novo, tudo dentro das regras da amizade. 

A maior parte das prendas destinam-se aos afilhados dos padrinhos da Astil, uma vertente do nosso projeto de solidariedade. E, como por delicadeza, não verifico o conteúdo de cada uma, às vezes temos “chatices” na passagem de fronteiras. 

E pronto, lá ficaram tesouras, tubos que excediam as dosagens, peças que incluiam metais. Malas abertas, sacos passados a pente fino, peças metálicas no corpo... farta-se a gente de ser apalpada. Na mala de porão, nem sei o que se passou. Mas que é chato e stressante, lá isso é.

A fim de entregar uma destas encomendas, deslocà-mo-nos por três vezes ao Farol, nas imediações de Santo Antóniuo de Motael, a fim de encontramos a Galeria Memória Viva para entregar a encomenda de um amigo comum. E desta vez conseguimos encontrar o local e a pessoa certa. Depressa criamos amizade, não fosse a Lourinhã vizinha de Peniche.

Eis senão quando, a convite do amigo que nos recebeu, deparo com um piano vertical entre a variedade dos artigos expostos nesta galeria. Quis saber de imediato se funcionava e, depois de verificar o bloqueio do teclado, foi me dito a quem pertencia este piano (nada mais nada menos que ao Sr. Presidente da República Dr. Ramos Horta) e que estava assim porque não se arranja um afinador de pianos para o pòr a funcionar. E que seria uma grande alegria para
o sr. Presidente que alguém o pudesse restaurar.

Na minha insignificância de saber alguma coisa de música pois foi esta a minha arte em toda a vida, informei que eu já afinei alguns pianos, mas tenho a chave de afinação em Portugal, e que estarei disposto a fazer esse trabalho caso estejam interessados. A resposta foi imediata, e começamos a fazer diligências em mandar vir a chave de afinação. (...)
 

23 fev2024  - Relíquia musical

Foi-me dito que este foi o primeiro piano de Timor Leste. Custa-me a crer. Mas intrigado com a importância deste instrumento, passei de novo na Galeria Memória Viva para me certificar de como esteva o piano por dentro.

 Abri, desmontei e fiquei perplexo. Todo danificado: martelos, abafadores, algumas cordas, teclas. Disseram-me que tinha passado pelo incêndio, durante a invasão indonésia.

Seja como for, este piano precisa de uma grande recuperação antes de ser afinado. Valerá a pena? Mas para isso outras mãos são necessárias. Assim, a música é outra! (...) 


25 fev 2024  - Subindo a montanha, a caminho de Boebau, calços e precalços

Esta seria sem dúvida a nossa intenção. E para isso logo de manhã, fomos a Bidau buscar a professora Angelina, e partimos para Liquiçá, a fim de nos abastecermos dos bens alimentares que garantam a nossa estadia em Boebau.

 E, já depois de fazermos uma parte do percurso através do leito acidentado de uma ribeira, eis a surpresa: um carreta(camião) com areia, não conseguiu desfazer bem a curva na subida e tombou, ocupando literalmente todo o caminho. Nenhum carro ou carreta podia passar, para cima ou para baixo. Os populares foram se juntando (ao menos há novidades), mas nada podiam fazer pois o peso e a estrutura do camião estavam inamovíveis.

Chegou o patrão da viatura e, depois de examinar o acontecido, partiu de novo, com certeza à procura de uma solução. Como ninguém sabia o tempo que isso iria demorar, não tivemos outro remédio que não fosse voltar para casa, voltar para Dili.  (...)


26 fev 2024  - Finalmente em Boebau

Desta vez tudo correu bem. Mesmo com os ossos a ranger, chagamos sãos e salvos, sem percalços. Um pouco de chuva, algum nevoeiro e paisagens deslumbrantes de cortar a respiração. 

Ao longo do percurso e de pequenas paragens fomos recebendo e dando os sorrisos e o “bom dia!” de bandos de crianças que regressavam das suas escolas. E ao chegar a Boebau, à Escola de São Francisco de Assis, aquela emoção de sempre que nos embarga a voz e faz bater o coração. A felicidade reina por aqui, nos rostos de quem chega e de quem acolhe. 

A nossa presença é um presente, e depressa se espalha a notícia da chegada do avô Rui e do Painino (Eustáquio), desta vez acompanhados da “malai” professora Angelina

Estou certo de que quem tem a coragem de fazer esta experiência de vida, nunca mais irá esquecer estas crianças, este povo. Que o diga a Maria e o João Picão; que o diga A Angelina.

Faz-me lembrar a letra da canção “Chuva” de Jorge Fernando:

As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades / Só as lembranças que doem ou fazem sorrir / Há gente que fica na história, na história da gente / E outras de quem nem o nome ousamos dizer. / São emoções que dão vida…”


27,28,29 fev 2024  - De manhãzinha se começa o dia

Eram 6 horas da manhã e já o sol espreitava para de novo nascer. O cantar dos galos, o barulho das angunas que passavam na recolha de passageiros, algumas vozes da vizinhança junto à casa dos professores, tudo indicava o começo de um novo dia. Em atitude contemplativa, projetava o meu olhar sobre a beleza da paisagem, sobre os vales de Atabai e sobre os montes de Ermera.

Lá ao fundo, a ribeira de Laoeli. Umas horas depois são as crianças que se vão agrupando a caminho da escola e que, quais cabritos brincalhões, vão animando o caminho a fazer. À chegada ao local, as crianças atropelam-se para o beija-mão aos professores malai’s, seguido da saudação do “Bom dia!”.

Durante a nossa estadia o tempo das aulas é assim repartido: o 1º tempo (90 minutos) está à responsabilidade do avô Rui, que vai ocupar-se da sala São Francisco de Assis, onde estão todas as crianças. Através da música, com sons, vocábulos, sílabas, palavras e frases em português, canções didáticas, vamos transmitindo e envolvendo todos os presentes, numa participação ativa.

Segue-se o intervalo, estes dias adocicado com rebuçados distribuídos pelos malai’s. 

O segundo tempo (também de 90 minutos) é passado nas respetivas salas, com os alunos assim distribuídos: pré-escolar grupo A e grupo B na sala 2, com as professoras Adelina e Fátima; 1º e 2º anos sala 1, com o professor
Alarico; 3º e 4º anos na sala 3, com a professora Angelina e professor
Eustáquio.

Para surpresa nossa, uma vizinha da escola veio-nos trazer o almoço, a saber: Arroz, acompanhado de galinha caseira em caldo (sim, por que aqui não há aviários). E que bem nos soube.

A tarde do dia é passada em contatos com as famílias das crianças
apadrinhadas
, e com outros transeuntes que calorosamente nos saúdam com o “Boa tardi!...” 

Mesmo ao fim do dia, algumas vezes até já de noite, são jovens e adultos que nos procuram para aprenderem mais portugûes, sejam estudando os verbos (muito difíceis para esta gente, pois o Tetum só tem uma forma verbal), seja cantando canções em língua portuguesa.


29 fev 2024  - De volta a Dili

Há mar e mar. Há ir e voltar. Desta vez tivemos que nos apressar, pois termina hoje às 18.00 horas a possibilidade de votar antecipadamente. De manhã desenvolvemos a atividade letiva, e pelas duas horas da tarde começamos a nossa viagem de regresso, acompanhados do professor Alarico e do Jerónimo, nosso vizinho da casa dos professores.

 E embora tenhamos chegado a Dili com o corpo feito num oito devido aos solibancos do caminho, lá vamos nós diretos à embaixada de Portugal exercer o nosso direito de voto. Foi rápido e simples.

À noite, em Ailok Laran, caíu uma tromba de água que nunca tal houvera visto.

Conclusão: falha de luz duranta toda a noite e luz muito fraca no dia seguinte. São as contingências deste país no meio do mar plantado.


1 mar 2024 - João Crisóstomo e Vilma

Já sabia que a Vilma faz hoje anos. O João Crisóstomo, grande amigo (mano) de coração, com grande excitação escreveu, publicou e telefonou para alertar todo o mundo: a minha querida “Vilma faz anos e celebra a obtenção de passaporte e de cidadania americana (USA). Quero e peço a todos os amigos que a saúdem por estes eventos”. 

E assim fizemos em Ailok Laran. A família do Eustáquio, da qual eu também já faço parte, reuniu-se para, em direto através do facebook, felicitarmos a Vilma e lhe cantarmos os parabéns, acompanhados por mim ao acordeão. Temos a certeza e sentimos que foi um momento muito especial para este casal extraordinário, que espalha felicidade e boa disposição por todo o lado. E eu que o diga!...


1 mar 2024 - Cultura tradicional timorense: médico, curandeiro, fisoterapeuta, ortopedista, osteopata

Tdo isto vem a propósito de um telefonema que fiz para a professora Cristina Castilho, que há dias deu um tombo de mota e partiu a cabeça do úmero em três fragmentos e que, segundo o ortopedista, vai ficar engessada três ou quatro semanas.

O Eustáquio que ouviu a conversa interveio no assunto e disse: “três ou quatro semanas é muito. Aqui em Timor há outra forma de curar essas coisas”. E informou que vive em Bidau um senhor que cura as fraturas em três dias, através de fricção com saliva, imobilização da área afetada com talas de cana de bambú e, muito importante, o estado de alma do doente.

 Se a pessoa tiver algum problema com alguém, por exemplo um mau relacionamento, tem de primeiro pacificar-se para que o resultado da cura se verifique no prazo previsto. 

E deu o exemplo da filha de uma vizinha que também caíu de mota e fraturou a tíbia da perna. A cura não se realizou no prazo previsto porque andava zangada com uma vizinha. Teve de primeiro reconciliar-se com ela.

Não sei se a professora Cristina alinharia neste processo, mas penso que não.

Claro que todos nós conhecemos em Portugal gente dotada para estas coisas. Quem é que nunca foi a um endireita? Normalmente os resultados são mais rápidos, embora talvez não tão seguros. Cá por mim, que não sou esquisito, acredito nestas terapias, e até já fui tratado pelo Eustáquio, que é um grande conhecedor da cultura e da tradição timorense, com resultados muito positivos.

E surprendentes. Quem puder entender que entenda...

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição de fotos, negritos e italicos: LG)
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Nota do editor:


Vd. também o primeiro poste, do Rui Chamusco,  que aqui publicámos há 7 anos:

2 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17814: Ser solidário (204): "Uma escola em Timor" - Parte I: o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... (Rui Chamusco, tabanca de Porto Dinheiro)