Lei Rouanet não é favor, é obrigação do Estado, diz Lula

Petista fez contraponto à principal política cultural atacada por integrantes do governo Bolsonaro; voltou a falar em regulação dos meios de comunicação

Lula participou de encontro com lideranças culturais do Rio Grande do Sul nesta 5ª feira (2.jun.2022)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou de encontro com lideranças culturais do Rio Grande do Sul nesta 5ª feira (2.jun.2022)
Copyright Reprodução/Youtube - 2.jun.2022

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato à Presidência da República, defendeu nesta 5ª feira (2.jun.2022) o aumento de investimentos no setor cultural e disse que a Lei Rouanet, legislação federal de incentivo à Cultura, não é “favor, mas obrigação do Estado brasileiro” para garantir que a população tenha acesso a bens culturais.

A Lei Rouanet é amplamente atacada pelo governo de Jair Bolsonaro e por artistas identificados com o bolsonarismo. No início do ano, o Executivo reduziu em 50% o teto do incentivo fiscal, passando a ser de R$ 500 mil, e fez outras mudanças.

“Hoje estou convencido de que a questão cultural não é fazer favor a nenhuma categoria de artista. A questão cultural é uma necessidade política, econômica, cultural e de democracia do nosso país. Vocês não podem ser vistos como pessoas que, de vez em quando, vão procurar a Lei Rouanet. Isso não é favor, é obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura”, disse Lula.

A Lei Rouanet é hoje o principal mecanismo de fomento à cultura no Brasil. Interessados em receber o apoio –pessoas físicas ou jurídicas– submetem seus projetos à Secretaria Especial da Cultura e passam por avaliação do órgão. Caso atenda aos critérios da lei, o projeto é aprovado.

O petista se reuniu com representantes do setor cultural em Porto Alegre (RS) na tarde desta 5ª feira (2.jun). Em um longo discurso, ele disse que o setor é importante economicamente e pode ajudar a gerar milhares de empregos.

O ex-presidente lembrou da política de pontos de cultura que existiu durante o seu governo (2002 a 2009) e disse que queria ter pagado mais do que os R$ 50 do vale-cultura. “É duro quando a gente vai discutir o Orçamento em que tudo o que você fala, o cara da Fazenda responde que não dá, que não tem dinheiro”, disse.

Lula prometeu que, além de recriar o Ministério da Cultura, ele quer também criar comitês culturais em todos os Estados do país. “Para a gente democratizar o acesso à cultura e a participação cultural, para que a gente não fique dependendo só do eixo Rio-São Paulo”, disse.

De acordo com ele, os 2 Estados citados conquistaram suas posições de destaque em relação aos demais porque “sempre tiveram mais privilégios”.

O ex-presidente disse ainda que irá voltar a fazer conferências nacionais sobre setores da cultura, como o audiovisual. Lula também voltou a falar em regulação dos meios de comunicação, mas disse que seria importante que os canais de televisão tivessem um mínimo de horas de programação local.

“Toda vez que a gente fala em regular os meios de comunicação, cai uma chuva de meteoros na gente. Mas por que não tem uma televisão para transmitir o carnaval gaúcho aqui? Que predominância é essa do Rio? Onde está a licitação? É o direito de quem tem o poder econômico na mão, de quem tem o controle da estação de televisão na mão”, disse.

Leia mais sobre as declarações do ex-presidente:

Assista ao evento completo (1h32min):

Eis a íntegra do discurso de Lula no Rio Grande do Sul nesta 5ª feira:

“Queridas companheiras e companheiros é muito gratificante terminar essa nossa visita de dois dias ao Rio Grande do Sul falando com os artistas desse Estado. Isso deveria, companheiro Pimenta, você que é presidente estadual, mais os companheiros presidentes dos partidos que estão ajudando a fazer esse evento, que a gente se habituasse a colocar a cultura no nosso dia a dia da vida política do país. Em 1989, eu fui candidato à Presidência da República e eu possivelmente tenha sido na história dos candidatos à Presidência o cara que mais juntou artistas para ajudá-lo na campanha. Era uma coisa fascinante para um metalúrgico, cada vez que ia fazer uma reunião com um artista no Rio de Janeiro, tinha toda a novela das 18h, toda a novela das 19h e das 20h e mais gente de outras novelas. Eu me sentia abobalhado de ver tanta gente, e às vezes as reuniões eram em casas maravilhosas, com piscinas maravilhosas e eu ficava pensando: ‘será que eu mereço isso?’

“Eu passei a ter vergonha, porque eu achei que a gente não deveria ficar autorizando artista em época de campanha. A gente deveria ter uma relação com artistas 365 dias por ano, durante o tempo inteiro, para discutir o dia a dia da sociedade, o dia a dia de vocês, o dia a dia nosso e não apenas em época de campanha. Eu passei a ter vergonha de telefonar para artista para acompanhar na campanha. O único artista que eu não tinha vergonha era o Chico Buarque porque ele era filho de uma mulher petista e era filho de um homem petista e que, portanto, ficava uma coisa mais caseira. Então, ele era o único cara. Ele foi em 89, 94, 98, 2002, 2006, 2010, 2014, 2015 e passou o tempo inteiro durante a votação do impeachment da Dilma lá na galeria do Congresso Nacional. Com ele, eu não tinha vergonha de falar porque eu não estava pedindo favor, eu estava chamando um militante. A mãe do Chico, quando recebeu a primeira aposentadoria, depois da morte do Sérgio Buarque, foi à sede do PT doar o cheque para o PT. Então, era uma figura diferenciada. 

“E eu acho que quando chegamos à Presidência da República. Eu pensei que nosso secretário de Cultura iria falar, mas não falou, e eu não trouxe por escrito. Nós não fizemos tudo que era possível fazer. E depois que eu saí da Presidência, e eu acho que com a Dilma aconteceu a mesma coisa, quando a gente sai a gente percebe: ‘Puxa vida, como eu deixei de fazer tal coisa, talvez fosse tão fácil fazer, talvez se eu tivesse feito’. Mas a gente não fez tudo o que deveria fazer. Eu sei que a gente está em falta, apesar de ter feito muita coisa nesse país para o padrão das políticas culturais brasileiras desde a proclamação da república. Então, nós estamos tentando voltar para tentar fazer o que a gente não fez e tentar fazer um pouco mais daquilo que a gente já fez. Hoje, estou convencido que a questão cultural não é fazer favor a nenhuma categoria de artista. A questão cultural é uma necessidade política, econômica e uma questão de democracia nesse país. Vocês não podem ser vistos como pessoas que de vez em quando vão procurar a Lei Rouanet, isso não é favor, é obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura. 

“Eu sei o que significou os pontos de cultura nesse país. Era uma coisa muito pequena diante daquilo que a gente sonhava, mas foi uma pequena revolução nas comunidades brasileiras nos mais longínquos e mais diferentes lugares desse país. Eu sei o que significou apenas R$ 50 do vale cultura, mas sabe que depois que eu deixei a Presidência eu fiquei pensando: ‘Puxa vida, só R$ 50? Não podia ter feito R$ 100 para que as pessoas pudessem ter acesso a ir pelo menos duas vezes ao cinema, pelo menos ir duas vezes ao teatro?’. Mas foi R$ 50, porque muitas vezes a gente se subordina à parte econômica, porque é duro. 

“É duro, meu querido Jorge Furtado, é duro quando a gente vai discutir orçamento, que tudo que a gente fala o cara fala: ‘Mas não tem dinheiro, não pode gastar’. E você vai acreditando. E do outro lado tem outros ministros pedindo mais dinheiro. E, pelo fato de a gente não ter uma definição clara das prioridades, a gente não trata as coisas com a importância que tem que tratar. Então, eu fico pensando, depois de ter deixado a Presidência e ter contribuído com a eleição da companheira Dilma, depois de ver ela ser massacrada, torturada, violentada, com a farsa do impeachment dela. Eu pensei: ‘Eu acho, que eu vou me preparar para voltar’. Vocês percebem que eu estou bem, estou bonito, estou casado de novo, casei dia 18 de maio, estou preparado fisicamente e estou preparado mentalmente e politicamente para tentar cumprir uma tarefa nesse país. 

“Tomei a decisão, que era quase que impensável nesse país. Era quase que impensável o Lula chamar o Alckmin para ser meu vice. Ninguém acreditava que isso fosse possível e eu fui chamar o Alckmin por algumas razões. Uma delas é porque eu acho que a tarefa de consertar esse país não pode ser de um partido só e não pode ser de um segmento da sociedade. É preciso que a gente junte mais gente, e eu hoje tenho saudade do tempo que a polarização era entre o Lula e Alckmin, era entre a Dilma e o Serra, era entre o Lula e o Serra, porque era uma polarização civilizada. Não é que o Alckmin não me criticasse e eu não o criticasse, a gente fazia as críticas, como amigos que jogam bola, a gente pisa no pé, chuta a canela, mas a gente continua sendo civilizado e continua conversando. É isso que é democracia que esse fascista que chegou no poder não exerce. É isso que ele não sabe fazer. Ninguém suporta mais a degradação da sociedade brasileira pela violência. A violência na internet, as provocações na internet, contra todas as pessoas que falam coisas que não são pertinentes aquilo que ele acredita. Famílias que brigam por causa dessa loucura. Um presidente que não faz um gesto para entregar um livro para uma criança e faz 50 gestos para entregar arma para os fascistas e os milicianos. A nossa cultura não é essa. A nossa miscigenação permitiu essa raça bonita, essa mistura entre africanos, índios e europeus, que deu essa coisa bonita. A nossa miscigenação é tão bonita que até quando a gente é feio, é bonito. Eu, por exemplo, eu sou um resultado disso. Eu acho que nós somos uma sociedade alegre, que gosta de futebol, que gosta de samba, que gosta de música, que gosta de uma cervejinha gelada. Aqui no sul, vocês não bebem cerveja, porque bebem muito mate. Como vocês bebem muito mate, sobra pouco lugar para cerveja. 

“Mas, nós nascemos para sermos alegres, para sermos festivos, independente da política, eles destruíram isso. Quando eu vejo eles culparem a Lei Rouanet pelo excesso de gastos públicos com a cultura: ‘Ah, esse Jorge Furtado está fazendo um filme que aparece a perna de uma mulher, isso não pode, financiando promiscuidade, financiando sexo, não pode’. Quando você canta uma música que tem uma palavra qualquer que ele não gosta, porque é isso, ele tem que gostar. Então, nada presta. Quando tem uma peça de teatro que fala de algo real da nossa vida, que trata gente como gente, não pode. Isso depõe contra a família. De que família esse cara está falando? Qual é a experiência dele na família? A família de quem? Da nossa, não é. E eu não admito que um cidadão que coloca um filho para disputar uma eleição contra a mãe venha falar para mim de família nesse país. Não posso admitir que uma pessoa que entrega arma ao invés de livro, que nunca soltou uma lágrima por 650 mil pessoas que foram vítimas da covid e que ele tem responsabilidade pelo menos por metade, porque foi negacionista, porque criou no ministério junto com o general Pazuello uma verdadeira quadrilha de comprar e de negar vacina. Que família esse cidadão está falando? Então, vamos proibir a cultura, vamos trancar, vamos dizer que não pode ser assim. Teatro é coisa para gente que quer fazer bagunça, para gente que não gosta de família, para gente que quer fazer sacanagem. Cinema também não pode. 

“Vocês não sabem, mas em 1978 eu era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e a gente tinha um curso de cinema e de fotografia no meu sindicato. A gente tinha um curso de teatro. A gente tinha um teatro no sindicato, com professor dentro do sindicato, com os artistas metalúrgicos. A gente pegava quase todo mês um grupo de 40 ou 50 trabalhadores, levava para o cinema para assistir um filme para fazer um debate dentro do sindicato, porque nós achávamos que as pessoas precisam ter acesso a todo e qualquer tipo de informação para as pessoas poderem se informar melhor, pensar melhor. Não é só um livro que ajuda a politizar a pessoa, porque como a história do Brasil foi contada só pelos vencedores, ainda falta contar muita coisa para o povo. Falta contar a história da rebeldia dos negros nesse país e que Zumbi é tratado como bandido. As tantas revoltas populares que houveram nesse país que não são contadas. A revolta dos malês na Bahia, é contada de forma equivocada. 

“Do jeito que a gente conhece a história da escravidão neste país, é uma mentira. Então, Jorge, uma coisa extraordinária é que o cinema pode, o teatro pode, o audiovisual pode, tudo pode ajudar o país a se desenvolver e a ser um país melhor. Esse menino que veio aqui me entregar o livro, nosso escritor, é um companheiro premiado com o prêmio Jabuti, que é um dos prêmios mais importantes da literatura brasileira, e quando ele confessa que ele conseguiu escrever porque ele teve acesso à cultura e a universidade eu fico pensando: ‘É por isso que esse país foi o último do mundo a abrir uma universidade. É por isso que o Peru teve uma universidade em 1554 e nós só fomos ter a nossa em 1920’. É porque a elite que dominava esse país nunca quis que nós tivéssemos acesso à cultura. A elite tinha, a elite ia para Paris, para Londres, para os EUA, a elite podia ler, mas o pobre não. Eu sou de uma família que eu vi meu pai bater na minha irmã para ela não ir para a escola, porque ela queria ir para escola para escrever uma carta para o namorado. 

“O mundo do povo brasileiro, em sua maioria, é assim. Então, eu queria dizer para vocês, que eu estou tentando voltar, junto com o companheiro Alckmin, junto com vocês, para a gente mudar esse país. Nós queremos dar outra chance à República Federativa do Brasil, com 220 milhões de habitantes. Todos vão ter acesso a coisas que ele tem direito e uma delas é a cultura. É sair em um final de semana e ir ao teatro, é ir ao cinema, ir a um show musical, um show de hip hop, ir a qualquer lugar. Eu quero dizer para vocês que não vamos apenas recriar o Ministério da Cultura, a minha ideia é que a gente crie comitê cultural em todos os Estados do Brasil para que a gente possa democratizar o acesso à cultura e a participação cultural. Para que a gente não fique dependendo só do eixo RJ-SP.

“Eu não tenho nada contra, acho que esses Estados conquistaram porque sempre tiveram mais privilégios do que o restante dos Estados, mas nós precisamos democratizar. Não é possível que o povo de Roraima, do Amapá, do Amazonas, de Pernambuco, do RS, receba nas televisões as coisas culturais dos estados do Sul e eles nunca mostram a cultura dos outros estados da federação brasileira. Será que não tem cultura em Pernambuco? Será que não tem cultura na Bahia, só axé? Será que não tem mais nada na Bahia, em Minas Gerais, no Mato Grosso? Ou seja, em todo Estado, tem uma riqueza cultural excepcional. Eu fico pensando, se fosse levar para o povo brasileiro conhecer o que é o frevo, o que é o maracatu, as pessoas fossem conhecer o carimbó do Pará, a dança do acasalamento, era uma coisa excepcional que quando eu era presidente eu tentei levar o carimbó para tocar no Itamaraty para que as delegações estrangeiras pudessem ver. 

“A gente não consegue porque tem que fazer licitação. A gente não consegue sequer um presente daqueles feito pelos nossos artesãos, tem que fazer licitação. Você quer comprar um boneco de um artista baiano, pernambucano, do RN, só tem ele que fabrica aquilo, mas não pode, tem que fazer licitação. Para dar algum presente original, tinha que pedir para o Sebrae comprar de presente ou algum Estado comprar para eu dar de presente. Nós temos a obrigação de fazer um grande evento nacional, não sei se uma conferência, para discutir a questão do audiovisual, temos que fazer uma conferência para discutir a questão do cinema e vamos voltar a fazer as conferências nacionais para a gente definir a cultura desse país. Não pensem que eu entendo, que eu não entendo quase nada. E, pelo fato de não entender, fica mais fácil de vocês conquistarem as coisas, porque se vocês forem bons de papo.

“Uma das primeiras coisas maravilhosas que eu fiz, é que quando nós lançamos o programa Fome Zero, o filme que a gente assistiu chamava Ilha das Flores, uma coisa extraordinária. O pessoal costuma dizer que o gaúcho não sabe fazer carnaval e nem tocar samba, as pessoas nem se lembram que (incompreensível 1:07:50) gaúcho. As pessoas pensam que o samba nasceu só em um lugar. As pessoas nem gostavam tanto do nosso Adoniran Barbosa, as pessoas só sabiam cantar o Trem das Onze, mas ele tinha muitas outras coisas. Eu quero dizer para vocês, nós estamos querendo assumir um compromisso com esse país. Nós vamos ter que melhorar educação, ciência e tecnologia, democracia, a normalidade das nossas instituições, o Congresso tem que voltar a legislar, o Ministério Público tem que voltar a cumprir com o seu papel de ser mais responsável do que foi no caso da Lava Jato. O STF tem que apenas ser o guardião da constituição, não pode ficar fazendo discurso e ficar dando voto pela imprensa, o voto tem que ser dado em função dos autos dos processos. O Congresso não tem que ter orçamento próprio do relator, quem tem que cuidar do orçamento é o Poder Executivo deste país. Está tudo mudado, tudo corrompido, tudo diferente e esse país tem que voltar a normalidade. Por isso, estamos fazendo uma aliança forte que eu espero que aqui, no RS, vocês nos ajudem. 

“É importante que vocês nos ajudem, e eu não estou pedindo muita coisa para vocês, pelo amor de Deus. Se unam aqui. Escolha um candidato a governador, escolha um senador, escolha um vice e vamos ganhar essa ‘porra’ dessas eleições aqui também nesse Estado.

“Então, companheiros, eu vou terminar dizendo o seguinte, o que eu vim fazer com vocês aqui, o que eu fiz em Minas Gerais, o que eu já fiz no Rio de Janeiro, o que eu já fiz em São Paulo, é assumir o compromisso mais sério que eu já assumi na minha vida com a cultura brasileira. Eu estou convencido que tudo será melhor neste país, a começar pela cabeça das pessoas, se a gente tiver mais arejado culturalmente. Se a gente tiver mais acesso às informações passadas através da cultura, de todas, não tem essa de privilégio não. É tentar criar as comissões para que todas as artes nesse país tenham chance na vida. Vai dizer que o povo não gosta disso, o povo não gosta daquilo, o povo precisa apenas saber, assistir, ouvir, para começar a gostar. Eu não sei quem citou aqui, na verdade, foi um concerto de violinos que eu vi na Áustria. Rapaz, eu nunca vi uma coisa tão bonita, parece que eu estava levitando, Dilma. Então, dá uma chance a um peão como eu e ele fica levitando com concerto de violino, imagina dar ao povo brasileiro o direito de ver todas as artes que o nosso povo é capaz de produzir. Eu fico revoltado porque eu conheço Minas Gerais e conheço o Vale do Jequitinhonha, que é uma região muito pobre de MG, a Dilma conhece porque ela é mineira, ela faz passar por gaúcha, mas ela é mineira. O Vale do Jequitinhonha tem um artesanato exuberante, música exuberante, cantores extraordinários que não aparecem em lugar nenhum. Você vê que toda vez que a gente fala em regular os meios de comunicação fica uma indústria de meteoros contra a gente. Se cada estado tivesse uma televisão com a obrigação de ter 4 horas de produção estadual, não só aquela meia hora do noticiário, meia hora de manhã, meia hora à noite. Não. Cadê o espaço para a cultura gaúcha na televisão gaúcha? Cadê o espaço para a música gaúcha? Por que não tem uma televisão para transmitir o carnaval gaúcho na televisão daqui? Por que é só o carnaval do RJ e de SP? Que predominância é essa? Cadê a licitação? Quem abriu esse envelope? É um direito de quem tem o poder econômico na mão, um direito de quem tem o controle da estação de TV. É preciso fazer muito debate. Amanhã vocês vão ver na internet uma carga de porrada que eu vou tomar. Mas eu acho que alguém tem que falar. Mais porrada do que eu já tomei e estou aqui vivo. Quando a dona Eurídice me pôs no mundo, ela disse: ‘Ô, garoto, você vai nascer para resistir, porra’. Então, portanto, alguém tem que falar, alguém tem que fazer. 

“De manhã, eu estava em um ato aqui. Ontem eu peguei uma garrafa d’água para beber e eu esqueci de beber água, coloquei a água na boca e fiquei falando, hoje eu fiz a mesma coisa. Peguei a água, pus a água aqui e fiquei falando, vieram pegar minha água. Eu falei: ‘Porra, você é pegador de água, não é fotógrafo?’.

“Um cidadão que eu não conheço escreveu em um blog aí que eu dei um esporro no fotógrafo, que eu fui grosseiro, na verdade, eu acho que ele está querendo dizer: ‘Lula é igual ao Bolsonaro, ele grita com o fotógrafo’. Essas coisas não pegam em mim. Então, vocês se preparem que vocês vão ser exigidos. Eu tenho um orgulho extraordinário de ter chamado o Gilberto Gil para ser meu ministro da Cultura. O Gil não era petista, ele era do PV, certamente muita gente do PT não gostou. A Dilma sabe, tinham muitos companheiros do PT que ficaram chateados. ‘Por que não eu?’. Porque tinha que ser o Gilberto Gil e eu comecei a tirar o sarro dele pelo seguinte: eu tinha na cabeça um sonho de fazer Casa de Cultura em cada cidade brasileira. Eu imaginava uma casa de cultura uma coisa grande, que tivesse espaço para o teatro, para o cinema, que tivesse espaço para dançar, para beber, para tomar uma geladinha, nada além disso. Mas que fosse um lugar que concentrasse uma comunidade, um bairro pobre, um lugar para a molecada dizer: ‘Hoje eu vou para o Centro Cultural’. A gente tentou fazer, tinha 50 para a gente fazer, já com o financiamento, mas aí a gente foi atrás do Lelé, aquele arquiteto baiano que fez a arquitetura do Hospital Sarah Kubitschek. E, portanto, como Sarah Kubitschek comprou o projeto que ele fez, então, não pode vender sem a autorização do hospital, então ficou a proposta de 50%, mas não tinha autorização para fazer. Então, eu falei para o Gil: ‘Ô, Gil, eu pedi para você uma casa de cultura e você me deu um Cho. Vocês sabem o que é um Cho. O Jorge Furtado estava andando pelas ruas de Porto Alegre e achou uma mola de caminhão e resolveu levar em um ferreiro para fazer uma espada. Chegou lá, pediu para o Ferreiro, o ferreiro colocou a mola no forno, depois colocou na bigorna, bateu, bateu e bateu demais e quando eu fui buscar minha espada, ele falou: ‘Não dá para fazer uma espada, só dá para fazer um facão’. Eu falei para ele fazer um facão. Voltei no outro dia, ele tinha colocado no forno, tinha levado para a bigorna, tinha batido demais. Falou: ‘Ó, não deu para fazer o facão’. Eu falei: ‘Me faça uma peixeira’. Aí no dia seguinte, ele cometeu os mesmos erros. Ele falou que só dava para fazer um punhal. Eu voltei no dia seguinte, também o Jorge não teve o punhal dele. Eu falei: ‘Então, me faça um canivete, pelo amor de Deus’. Eu voltei no dia seguinte, o cara tinha colocado no forno, batido na bigorna, e falou: ‘Não dá para fazer o canivete, eu bati demais’. Eu falei: ‘E agora, o que eu vou fazer?’. Aí ele falou: ‘Eu vou fazer um Chó, você vai gostar do Chó’. O cara pegou um pedacinho de ferro, colocou no forno, tirou ele vermelho, jogou no balde d’água e fez o Chó. Eu pedi uma casa de cultura e o Gil me deu um Chó, porque ele fez um ponto de cultura. Mas esse Chó, efetivamente, teve funcionalidade e teve uma utilização extraordinária porque a gente conseguiu fazer muitos pontos de cultura, e eles foram utilizados de forma extraordinária. Nós vamos fazer mais, aperfeiçoado. Vai ter mais investimento, e eu quero dizer para vocês, eu não sei quem foi que falou na indústria da cultura, é importante que a gente pense na cultura não apenas em dinheiro público, a cultura é uma indústria que pode gerar milhares de empregos neste país. Cada cantor precisa de um monte de cara, cada teatro precisa de um monte de cara. Cada pagode precisa de um monte de cara. Cada hip hop precisa de um monte de cara. Ou seja, o que é preciso é a gente criar as condições para que vocês possam exercitar, com toda maestria que Deus deu a vocês, a sabedoria de vocês e que o povo possa ir para assisti-los. 

“Então, fique certo, vocês são todos jovens. Deve ter alguém falando: ‘Esse cara deve estar prometendo porque ele está velhinho’. Se eu tivesse velhinho não tinha casado com essa mulher. Vocês acham que ela casou comigo porque eu estou velhinho? Eu vou viver 121 anos. Porque a ciência já avisou que o cara que vai viver 120 anos já nasceu, e por que não eu? Quem sabe não tenha sido eu. Eu nunca tive nem em 89, nem em 94, nem em 98, nem em 2002, quando eu ganhei, eu não tava com a tesão que eu estou.

“Toda vez que eu falo ‘a tesão’ alguém fala: ‘Não é a tesão, é o tesão’. Seja o que for, é tesão mesmo. Então, eu quero que vocês se preparem porque nós vamos voltar, vamos fazer reunião com vocês, vamos criar os comitês e vamos começar a fazer a cultura brasileira voltar a valer neste país. De coração, eu quero agradecer a vocês pela paciência de dedicar essas horas todas em uma 5ª feira para vir para cá. Reencontrar nosso galo missioneiro, bonitão como sempre. De reencontrar o nosso querido Tarso. De reencontrar a Dilma, quem cassou a Dilma, quem fez o impeachment, vai acabar. A Dilma está novinha em folha. Eu fico pensando: ‘Essa menina deve estar apaixonada’. Porque ninguém fica com o entusiasmo dela se não tiver com alguma coisinha. Veja como eu estou, eu renovei 56 anos, eu me sinto menino. Agora, sabe a hora que eu levanto de manhã? 10 para as 6h para fazer ginástica todo dia. Eu estou com muita vontade. Minha querida deputada, você não sabe a vontade que eu tenho de provar que nós, que eles disseram que destruíram esse país, vamos consertar esse país e entregar ele para o povo bonito, com as pessoas sorrindo e o Brasil sendo respeitado no mundo. Vamos recuperar a relação com a América do Sul, com a América Latina, com o continente africano, porque nós vamos ter consciência de que nós temos uma dívida de 350 anos com a África e a gente não vai pagar em dinheiro, a gente vai pagar em solidariedade, em transferência de tecnologia. É por isso que quando eu era presidente, a gente fez uma fábrica de antirretrovirais em Moçambique, a gente fez uma universidade aberta em Moçambique, a gente levou a Embrapa para a Gana para a gente tentar ver se conseguia fazer a produção agrícola na Savana Africana igual no Cerrado brasileiro. Tudo isso acabou, porque, na verdade, o que nós tivemos não foi um presidente, foi uma praga de gafanhoto que tomou conta desse país, que destruiu a cultura, a educação, destruiu emprego, destruiu a economia. 

“Então gente gaúcha, gente do Grêmio e do Internacional, se preparem, eu falei para o Olívio Dutra. Esses dias Olívio perdeu a companheira dele, ficou viúvo e eu vim conversar com el bigodon. Falei: ‘Pimenta, tem que colocar o Olívio Dutra para trabalhar, não deixa o Olívio ficar em casa, porque se a gente está com uma certa idade e fica em casa, o tédio leva a gente’. A gente tem que construir na nossa cabeça uma causa. Se todos nós tivermos uma causa, a gente não fica velho nunca. Então, Olívio Dutra, a Judite está lá em cima esperando que o nosso galo de ferreiro volte a cantar pelas pradarias do RS e ajudar a gente nessa coisa. Eu não posso dizer o mesmo para o Tarso, porque o Tarso, como eu, está casadinho de novo, e ele está como se estivesse criando os pintinhos dele. Então, fica em casa, depois você vai para a luta. No mais gente, um beijo no coração de vocês, muito obrigado pelo convite de vocês. Estou certo que nós viemos para mudar.”

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